Já faz algum tempo que tento fazer um texto para dizer o que sou. O que na verdade, muitos são. Já perdi as contas de quantos rascunhos foram começados neste blog para falar do assunto, e até agora não sei bem se este enfim será publicado.
Há um tempo atrás, mais especificamente no dia 28 de junho, que é o dia mundial do Orgulho LGBT - data celebrada e lembrada mundialmente, li e busquei muitas informações a respeito desta temática e deste universo. Após esse dia, me peguei pensando constantemente nesse assunto, até que li a notícia de que Pabllo Vittar iria participar do Criança Esperança, da Rede Globo. Automaticamente recordei que na minha infância, assistir ao Criança Esperança era uma programa para se fazer em família, nos reuníamos com nossos pais, primos, tios e amigos para acompanhar o espetáculo. A tradicional família brasileira ansiava para ver o Didi descer de bicicleta tal qual a cena icônica do filme ET, ou então Ivete e Claudia, Xuxa e Angélica, ou outra inusitada dupla qualquer dividir o palco em prol de nossas crianças carentes. Porém, nessa última edição tudo o que eu queria ver era a participação de uma Drag Queen, dividindo o palco com Sandy, que um dia foi o símbolo da pureza e namoradinha do Brasil. Obviamente, esse assunto gerou muita repercussão, tanto positiva quanto negativa, mas é principalmente uma afirmação pela tolerância nas questões de gênero e de sexualidade, ali, em pleno programa para a tradicional família de nossa sociedade, no horário nobre da maior emissora de TV aberta do país.
E então, nessas minhas últimas reflexões, pude perceber que nós deixamos os pseudônimos para trás, e hoje a nossa cara estampa as ruas, as boates, os comerciais, os espaços. Abandonamos o ambiente embolorado e empoeirado dos armários para, enfim, deixarmos o sol beijar nossa pele. Saímos dos armários e resolvemos "botar a cara no sol". Não é?
Muitos dizem que estamos querendo fazer a sociedade engolir quem somos, forçando ter direitos diferenciados e regalias, quando na verdade a busca é por respeito e igualdade. Há quem diga que criamos uma ditadura, talvez pela forma de nos organizarmos como um exército. Na linha de frente as gays afeminadas, as sapatão caminhoneiras, as travestis que vivem quase como borboletas – apenas por vinte-e-quatro-horas. “Star Wars” para nós não é uma realidade muito distante, uma vez que ainda tememos as espadas de luz, as lâmpadas fluorescentes, a sociedade “iluminada” que nos mata a cada 28 horas procurando o “bem”.
Mas somos quase como erva daninhas, quanto mais se corta, mais se renasce. Mais forte, mais firme, mais politizada. E vamos povoando essa terra de ninguém que é o mundo. Não decretamos nocaute, porque quem nasce com um punhal apontado para a existência, lutar não é tão difícil. E vamos nocauteando o “normal”, se é que ele existe. Deixamos de ser aberração aos poucos, mas ainda somos. Mas hoje não quero falar sobre isso. Quero contar sobre as coisas que brilham e não matam, que fosforescem e não cortam. Nós não brilhamos apenas com purpurina.
A cada dia, lutamos para mostrar que somos muito mais que nossa sexualidade, gênero ou modo de vida. Não somos apenas gays, lésbicas, trans, drags, personagens engraçados na TV... Somos médicos, arquitetas, professores, turismólogas...
E é aqui que volto a falar de Pabllo Vittar, que nessa nova era que vivemos (se é que se pode falar assim), serve como nosso escudo. Armada com uma voz aguda, um salto agulha, um olhar aguçado como o de um pássaro que observa o mundo do alto. Maranhense, emaranhada de cicatrizes, drag queen, presença risonha, talentosíssima, grande, indestrutível. Por isso que confiamos a ela a linha de frente e o altar. E vai refazendo o nosso papel. Pondo a nossa cara onde a gente não podia ser visto, ecoando a nossa voz em um mundo que não quer nos ouvir. A arte é a melhor política, porque ela chega dentro da sua casa como entretenimento. Incomoda e faz pensar, ou pelo menos tenta. Ela nos representa, não só na luta mas também no modo de segurar a barra. Ouve muito, sente muito, é porrada de todos os lados. Apagam seus vídeos tentando assim, quem sabe, apagar a sua existência. Mas se tem outra coisa que aprendemos na vida, é segurar o carão e sustentar o close, e assim como ela, vamos seguindo.
Não apenas Pabllo Vittar, podemos ir de de Ney Matogrosso à Não Recomendados, de Cássia Eller à Ana Carolina entre vários outros nomes que são nossos gritos de guerra. Ou melhor, são apenas nossos gritos. Porque a gente luta é por paz.
Essa luta não é só por mim, é também pelas vítimas do ataque à boate Pulse, quando um homem entrou no local armado e deixou 50 mortos e 53 feridos. É pelo assassinato de Luana que foi abordada e espancada por Policiais Militares em Ribeirão Preto e morreu no hospital 5 dias depois em decorrência da violência que sofreu. Pela transsexual morta em praça pública aos 19 anos, que foi encontrada morta na Praça da Liberdade, no Centro Histórico de Petrópolis, RJ. Pelo primeiro delegado da Conferência Nacional LGBT que foi encontrado morto em seu apartamento na cidade de Canoas - RS, com sinais de estrangulamento. Pelo jovem encontrado morto com sinais de tortura no meio de parque em Florianópolis, SC. Pelo casal gay atacado pelo padrasto na casa da mãe de um deles, que jogou uma panela de água fervendo nos dois enquanto dormiam. Pelas transsexuais que foram espancadas por três homens sem camisa no meio da rua no Rio de Janeiro, onde vários carros e pessoas passaram pelo local e ninguém fez nada. Pelo jovem Diego Vieira Machado, paraense, gay, negro e aluno de arquitetura da UFRJ, que foi encontrado morto às margens da Ilha do Fundão, na Baía de Guanabara. Ele estava sem roupas, sem documentos e apresentava sinais de espancamento, ocorrido, possivelmente, por pauladas. Antes disso, ele havia sofrido ameaças racistas e homofóbicas dentro da universidade. Por esses e por todos os outros casos que acontecem todos dias e insistimos em dizer que é um caso isolado.
É triste, chocante, revoltante... Mas cada vez que um dos nossos sofre, é atacado ou descriminado, nos tornamos mais fortes. Na guerra onde buscamos nossa paz também encontramos nossa força. Ou atura ou surta, o nosso orgulho só aumenta e a linha tênue entre a nossa existência e a negação dela há de se arrebentar. A gente está aqui, bem na sua cara, só basta querer enxergar (e respeitar), não é? As porradas, lamparadas e ataques que sofremos são constantes, mas nossa força é indestrutível.
Por fim, devo admitir que a caminhada é longa, mas as pernas aguentam. Cambaleiam, desequilibram, mas vão trazendo cor aos caminhos. Erguendo bandeiras, cantando hits, falando de amor (porque ele existe), coreografando os silêncios que por muito tempo foi nosso único discurso. Afinal, quantos dos nossos fizeram o corpo de armadura, para que nossos corpos pudessem viver sem elas? Por isso tudo, eles terão que nos engolir.
Até breve (?)
Autor inspirador: Pó e Sol
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